Precisamos falar sobre Dandara dos Palmares

Laiz Claudino
4 min readNov 20, 2018

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Neste dia da Consciência Negra, não vamos falar sobre Zumbi, vamos falar sobre Dandara!

20 de Novembro. Dia Nacional da Consciência Negra, dia em que temos 15 minutos da atenção branca e ganhamos um certo enfoque nas escolas, instituições e noticiários. Neste dia o racismo se torna pauta, de uma forma superficial e muitas vezes leviana, é claro. Mas por que dia 20 de novembro? De acordo com a descoberta de historiadores, Zumbi dos Palmares morreu em 20 de novembro de 1695, dessa forma, o dia da consciência negra é simbolizado pela data de morte do grande líder dos Palmares.

Zumbi foi ícone de luta na resistência contra o sistema escravocrata do século XVII. Liderou o principal quilombo do período colonial brasileiro: o Quilombo dos Palmares. Localizado na Serra da Barriga, atual região de Alagoas, era local de refúgio de negros fugidos. Durou mais de 100 anos e teve mais de 20 mil habitantes.

Não conhecemos o rosto de Dandara. Esta é uma representação.

Acredito que todos já ouvimos o nome de Zumbi alguma vez na vida, mas este artigo não é sobre Zumbi! É sobre Dandara! Você sabe quem foi Dandara dos Palmares? Muito além da esposa de Zumbi, Dandara lutou na resistência armada quilombola pela liberdade de negros e negras. Foi uma das líderes palmarinas, elaborando estratégias de ataque e defesa do quilombo. Teve três filhos: Motumbo, Harmódio e Aristogíton. Além de lidar com os serviços domésticos da comunidade, plantava, trabalhava na produção de farinha de mandioca, caçava, sabia lutar capoeira, empunhar armas e quando adulta passou a liderar o exército negro palmarino. Ademais, da luta abolicionista, Dandara transpunha os padrões de gênero e tinha ideais que atuavam nas raízes das opressões. Não é conhecido onde Dandara nasceu, muito menos suas origens africanas. Acredita-se que ela nasceu no Brasil e se estabeleceu nos Palmares ainda criança.

O fato de não conhecermos Dandara, tanto quanto conhecemos Zumbi, se dá pela tentativa da branquitude de ocultar às nossas histórias, de apagar nossas raízes, nossos ancestrais, de nos despersonificar enquanto seres com bagagens históricas. Entretanto, o caso de Dandara ainda sofre a marca do machismo, que cala e apaga figuras como ela, pois, quando se decide falar sobre ícones negros dificilmente falaremos sobre mulheres. Personalidades como Dandara não são reconhecidas no movimento negro e muito menos no feminista. No primeiro se dá destaque preferencialmente a homens e no segundo a mulheres brancas.

Nós, mulheres negras, não nos encontramos nos livros de história, nos livros de literatura, na televisão, no cinema. Nós não nos encontramos no mundo. Crescemos com a visão de que somos seres estranhos, fora da norma. Que não merecemos ser representadas, que somos seres inferiores. O mundo nos faz acreditar isso e quando descobrimos histórias como a de Dandara, através das nossa infinitas pesquisas em busca de identidade, reafirmamos a dura consciência de que nossos ancestrais — principalmente nossas ancestrais — vivem esquecidos embaixo de camadas e camadas da branquitude genocida. É nosso dever trazer luz e reconhecimento a essas pessoas.

Quando o governo português fez a proposta de paz em troca das Terras do Cacau, Dandara foi contra e preferiu a guerra, porque sabia que este acordo seria o fim da República de Palmares e a volta da escravidão de sua comunidade. Dandara não se vendeu em troca de uma liberdade incompleta e manteve-se firme em sua ideologia até seus últimos dias. Dandara suicidou-se, após ser presa, em seis de fevereiro de 1694. Preferiu a morte a ser escravizada, morreu como a heroína e mártir que foi.

Que Dandara viva em mim e em todas as mulheres negras contemporâneas. Viva Dandara!

Por: Laiz Claudino

Pguá, 20 de novembro, 2018.

N’zambi; Dandara

Princesa da beleza negra, guerreira, líder forte, poder transformador
Encanta o quilombo, mostra de frente tua garra que dá força pra lutar
Despindo as mentes da submissão, mulher negra, quilombola de exjá

Yansã beijou Xangô, arrancou-lhe as armas, pôs em punhos e lhe dominou

Dandara, Dandara, Dandara, Dandara

Transfere tua essência como exemplo as mulheres que se negam a lutar
As negras oprimidas em favelas e escolas, domésticas do lar
Junta e organiza por que juntas são mais uma, com mais força e maior
Romper a hipocrisia da autoridade que a burguesia vai se aniquilar

Seus olhos negros firmes da esperança da vitória que está para chegar
Que sambam sobre os peitos dos homens fortes e guerreiros querendo te conquistar
Tua força é divina e ancestral e pega fogo e é fogo de orixá
Vem com teu sorriso, abre os braços, solta as tranças vem de novo, me acalenta

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Laiz Claudino

Graduanda de Psicologia pela Universidade Federal do Paraná e escritora frustrada.